segunda-feira, 16 de março de 2009

Três encontros num post só

Gustavo


Atrasei um monte para postar alguma coisa aqui. Assim, resolvi juntar as minhas impressões dos três encontros que tivemos, tudo num post só. Lá vai.


ENCONTRO 1


No primeiro encontro, lemos o texto do projeto em voz alta. Algumas coisas que me chamaram a atenção foram a ideia de traduzir (termo que ainda vai render muita conversa) um trabalho artístico para outros suportes, com o objetivo maior de encontrar "o essencial" neste trabalho, o que se mantém dele nessa transposição. Achei que era preciso pensar na função dessa suposta tradução, a que ela se presta.

A outra coisa que saltou aos ouvidos foi partir do pressuposto de que dança é linguagem, e uma linguagem seria traduzida para outra. Não que não seja, mas me pareceu que não dava pra falar assim com tanta certeza, se o que se pretende é investigar justamente isso. Me pareceu que era preciso pensar sobre linguagem, o que estamos chamando de linguagem.



ENCONTRO 2

Fiquei pensando que uma contribuição que eu poderia trazer, pelo menos por enquanto, era compartilhar algumas referências sobre esses conceitos que vêm mais da área de literatura, que no final das contas é um dos assuntos que eu conheço mais teoricamente. Sobre a função da tradução, achei uns trechos de um artigo da Ana Cristina César:


Há dois movimentos possíveis no ato de traduzir.

1) um movimento tipo missionário-didático-fiel, empenhado no seu desejo de educar o leitor, transmitir cultura, tornar acessível o que não era. As variações vão desde o trot ( = tradução literal, palavra a palavra, ao pé do original) à versão literalizada. Tentação recorrente (ou ás vezes recurso inevitável): explicar o original mais do que ele se explicou, acrescentar vínculos que estavam silenciados, em suma, inflacionar o texto original.
A inflação se justifica a si mesma didaticamente.

2) um movimento não empenhado, livre de preocupações com o leitor iletrado ou de um projeto ideológico definido, que inclua digamos a importância de divulgar fulano no país. As variações vão desde bobagens e exercícios de pirotecnia, equivalentes adestrados do tro compromissado com o leitor, àquela coisa fascinante que são as imitações - o acesso de paixão que divide o tradutor entre a sua voz e a voz do outro, confunde as duas, e tudo começa num produto novo onde a paixão é visível mas o nome tradução, com seus sobretons de fidelidade matrimonial, vacila na boca de quem lê (Robert Lowell tem um belo livro chamado Imitations, em que ele imita os seus queridos).

[...]

A militância cultural do grupo concretista inclui a tradução divulgação como atividade fundamental. [...] Movimento 1, movimento 2: o projeto ideológico se manifestava na trilha dos autores (não se tratava de traduzir "qualquer um"; traduzir também era um gesto teórico, e didático), mas ao mesmo tempo não traía a qualidade literária com mão pesada: o garbo de traduzir era aqui especialmente inteligente. O tradutor também é um sedutor.


(CESAR, A.C. Pensamentos sublimes sobre o ato de traduzir. In: FREITAS FILHO, A. (Org.) Escritos no Rio: Ana Cristina César. 1. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993)


Ficamos intrigados com essa ideia de imitação ao invés de tradução: o que seria isso? E também com esse terceiro movimento que ela esboça ali no final: a tradução como forma de seduzir. Seduzir quem? Pra que? Como?

Sobre linguagem, levei uns trechos de um livro muito arrogantinho do Ezra Pound, chamado ABC da Literatura. O Ezra Pound, além de poeta, traduziu muita coisa para o inglês, das mais diversas origens, chinês, grego, espanhol, inglês arcaico. Nesse livro ele se propõe a explicar como se deve ler e o que é importante ler, trazendo inclusive uma lista ao final. Deixando de lado a pretensão dele, tem alguns pontos interessantes que dá pra destacar.

Olha o que ele diz:

O que é literatura, o que é linguagem, etc.??

Literatura é linguagem carregada de significado.
"Grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível"

Mas, linguagem?
Falada ou escrita?
Linguagem falada é ruído dividido num sistema de grunhidos, assobios, etc. Isso é chamado de fala "articulada"

"Articulada" significa que ela está dividida em zonas e que um certo número de pessoas está de acordo com esse zoneamento.

Vale dizer que estamos mais ou menos concordes quanto aos diferentes ruídos representados por

a, b, c, d, etc.

A linguagem escrita, como afirmei no primeiro capítulo, pode consistir (como na Europa, etc.) em signos representando esses vários ruídos.As pessoas se põem mais ou menos de acordo em que grupos desses ruídos ou signos devem corresponder a determinado objeto, ação ou condição.

gato, movimento, róseo.

A outra espécie de linguagem começa como um desenho do gato, ou de algo que se move ou existe, ou de um grupo de coisas que ocorre sob certas circunstâncias ou que participa de uma qualidade comum a todas elas.


Bom, mesmo que se tente fazer uma adaptação entre o que ele está chamando de linguagem e o que a gente gostaria de entender por dança como linguagem, isso não funcionaria para o que nós, este grupo, temos nos acostumado a chamar de dança contemporânea. Não necessariamente se trabalha com signos sobre os quais há mais ou menos um acordo comum.

Por outro lado, é legal observar que o que ele coloca aí remete àquela essencialidade" que eu tinha achado tão estranha no texto do projeto. "Grande literatura" (e sabedeus o que seria isso) "é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível". E como diabos se carrega a linguagem de significado até o máximo grau?


Diz ele:

A linguagem é um meio de comunicação. Para carregar a linguagem de significdo até o máximo grau possível, dispomos [...] de três meios principais.


1. Projetar o objeto (fixo ou em movimento) na imaginação visual.

2. Produzir correlações emocionais por intermédio do som e do ritmo da fala.

3. Produzir ambos os efeitos estimulando as associações (intelectuais ou emocionais) que permaneceram na consciência do receptor em relação às palavras ou grupos de palavras efetivamente empregados.


Ele diz que o primeiro seria a fanopéia, o segundo a melopeia e o terceiro a logopeia.

A incompetência se manifesta no uso de palavras demasiadas. O primeiro e mais simples teste a que um leitor deve submeter o autor é verificar as palavras que não funcionam; que não contribuem em nada para o significado ou que distraem do fator mais importante do significado em favor de fatores de menor importância.

É legal lembrar que eu trago essas referências justamente para tentarmos talvez traduzi-las para o campo do nosso objeto, que é uma obra de dança contemporânea que se pretende transpor em outras coisas.

Pensando nisso, propus um exercício de composição que o Ezra sugere para alunos que querem ser escritores. A ideia seria que a gente primeiramente traduzisse esse exercício para o nosso campo aqui, e depois praticasse. É o seguinte:


1. Fazer com que os alunos troquem suas composições entre si e verifiquem quais e quantas palavras inúteis foram usadas - quantas palavras não transmitem nada de novo.

2. Quantas palavras obscurecem o significado.

3. Quantas palavras estão fora do seu lugar usual e se essa alteração torna o significado de algum modo mais interessante ou mais cheio de energia.

4. Se a sentença é ambígua: se ela realmente significa mais de uma coisa ou mais do que o escritor pretendia; se ela pode ser lida de modo a significar algo diferente.

5. Se há algo que está claro quando lido mas que fica ambíguo quando falado.



(POUND, E. ABC da Literatura. Tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1970)


ENCONTRO 3

No encontro seguinte, eu não levei nada. Falamos um pouco das coisas que a Beti e o Ricardo vêm produzindo como traduções de seus trabalhos. Comemos um pão que a Beti tinha feito e vimos alguns vídeos. O Ricardo comentou sobre o conto que ele está escrevendo.

Ao tocar novamente no conceito de tradução ficamos em dúvida se seria possivel traduzir uma dança para outra dança. Eu acho que não. Comentamos também que estavam faltando limites para o que eles estão produzindo, eles estão muito soltinhos e eu não consigo ver no produto uma tradução.

Chegamos a um consenso temporário de que em traduzir há uma intenção de transpor a totalidade de uma coisa para um outro suporte, por exemplo, traduzir a totalidade de um poema, um romance, ou até um parágrafo para outra língua. Eu acrescento aqui - não lembro se falei na hora - transpor a partir de relações de equivalência. Ou seja, dizemos, ou convencionamos, ou queremos acreditar, que um determinado objeto no meio X se equipara a outro objeto do mesmo valor no meio Y.

Discutimos também a direção da tradução. O Ricardo falou uma coisa que eu achei legal, que quando se traduz há geralmente uma necessidade de se conhecer bem a lingua de destino e não necessariamente a lingua de origem. O nosso campo, o nosso objeto, consiste justamente no contrário: os autores de peças de dança contemporânea querem produzir traduções das peças que fizeram para um suporte que desconhecem, ou que conhecem menos. Será que vale?

Propus que ambos fizessem uma tradução de um parágrafo qualquer, em qualquer língua de origem, para o português (vi que a Beti já fez), para que a gente pudesse discutir que critérios foram usados para escolher as palavras e que relações de equivalência foram estabelecidas entre esses objetos. Posso acrescentar aqui umas perguntas: em que momentos nos orientamos pela sonoridade das palavras (a melopéia do Pound)? Em que momentos foi pelo significado ou pela imagem mental que se forma a partir da palavra (a fanopéia)? Em que momentos foi pelos dois (a logopéia)? Até que ponto houve arbitrariedade? Até que ponto eu me manifesto quando traduzo? Até que ponto eu quero seduzir? Até que ponto eu imito algo ou alguém?

Um comentário:

  1. oi todos!!
    a leitura provoca...

    fiquei pensando bastante nas proposições que Gustavo faz sobre linguagem e pensar a dança como tal / uns meses atrás me apaixonei e abandonei logo algumas leituras sobre esse tema e sobre a estrutura do texto artístico (pensando na dança nos dois casos).
    me topei com as idéias de Lotman que achei uma abordagem super produtiva para a dança.. porém eu não produz mais do que os parágrafos desordenados que verão a continuação. estas perguntas sempre voltam, me reclamando atenção para retomar-las: boa escusa este blog e melhor ainda se é compartilhando!
    mando a continuação algumas idéias/recortes/citaçoes escritas então. Vão em espanhol.. espero que de para entender.. beijos!! (ao postar no blog acho que sumirão as notas de roda pé...)


    (…de acuerdo a las enseñanzas de los formalistas, una obra de arte es un artefacto semiótico que puede ser analizado como un conjunto de reglas e invenciones. Desafortunadamente los formalistas en sus intentos de explicar el “misterio” artístico en términos de un artefacto analizable no fueron capaces de conseguir el pasaje del análisis formal a la significación estructural integral (full estructural awareness). No comprendieron completamente que la búsqueda de la forma de una obra de arte también debería incluir la organización de su contenido . Esto nos lleva a otro abordaje que propone estudiar al….
    ... arte como lenguaje
    En su texto El arte como lenguaje el semiótico y lingüista ruso Iuri Lotman, señala que todo sistema que sirve a los fines de comunicación entre dos o más individuos puede definirse como lenguaje. En este sentido, podemos hablar de lenguas no sólo al referirnos a las lenguas naturales o a los sistemas creados por diversas ciencias (lenguajes “artificiales”), sino también al referirnos a las costumbres, rituales, comercio, ideas religiosas. En este mismo sentido, puede hablarse del “lenguaje” del teatro, del cine, de la pintura, de la música, del arte en general como de un lenguaje organizado de modo particular.
    Sin embargo, al definir al arte como lenguaje, estamos manejando algunas premisas acerca de su organización. Todo lenguaje utiliza unos signos que constituyen su “vocabulario” (a veces se le denomina “alfabeto”);
    * todo lenguaje posee unas reglas determinadas de combinación de estos signos, y también podemos decir que * todo lenguaje representa una estructura determinada, y que *esta estructura posee su propia jerarquización.
    El arte integraría lo que Lotman llama lenguajes secundarios de la comunicación, es decir, estructuras de comunicación que se superponen sobre el nivel lingüístico natural. El arte es un sistema de modelización secundario. No se debe entender “secundario con respecto a la lengua”, sino “que se sirve de la lengua natural como material” y que se construye a modo de lengua, lo que no significa que reproduzca todos los aspectos de las lenguas naturales. Así, por ejemplo, la música difiere radicalmente de las lenguas naturales por la ausencia de conexiones semánticas obligatorias .
    Entonces considerando que la conciencia del hombre es una conciencia lingüística, el arte puede describirse como un lenguaje secundario, y la obra de arte como un texto en este lenguaje. Partiendo de estas premisas analicemos algunas características de este “lenguaje”.
    Para comenzar veamos la relación entre...
    ...forma y contenido en el análisis de la estructura del texto artístico me atrae pensar en la afirmación del carácter indivisible de la idea poética respecto a la estructura peculiar del texto que le corresponde. La complicada estructura artística, permite transmitir un volumen de información completamente inaccesible para su transmisión mediante una estructura elemental propiamente lingüística. De aquí se infiere que una información dada (un contenido) no puede existir ni transmitirse al margen de una estructura dada. Si repetimos una poesía en términos del habla habitual, destruiremos su estructura y, por consiguiente, no llevaremos al receptor todo el volumen de información que contenía. El método de estudio por separado del “contenido” y de las “particularidades artísticas” tan arraigado en la práctica escolar, se basa en una incomprensión de los fundamentos del arte, y es perjudicial, al inculcar una idea falsa del arte como el procedimiento de exponer de un modo prolijo y embellecido lo mismo que se puede expresar de una manera sencilla y breve.
    Por el contrario creo que el pensamiento del artista se realiza en una estructura determinada de la cual es inseparable. La definición “la forma corresponde al contenido”, justa en el sentido filosófico, no refleja, sin embargo, de un modo suficiente la relación entre estructura e idea.

    El lenguaje de una obra de arte no es en modo alguno “forma”, si conferimos a este concepto la idea de algo externo respecto al contenido portador de la carga informacional. Por el contrario, el lenguaje del texto artístico es en su esencia un determinado modelo artístico del mundo y, en este sentido, pertenece, al “contenido”, es portador de información. (pienso en la “obra abierta” de Eco)

    Por otra parte, el modelo del mundo que crea el lenguaje es más general que el modelo de mensaje profundamente individual en el momento de su creación. Por eso, desde determinados puntos de vista, la información contenida en la elección del tipo de lenguaje artístico se presenta como la esencial. La elección, por parte del escritor, de un determinado género, estilo o tendencia artística supone asimismo una elección del lenguaje en el que piensa hablar con el lector. Este lenguaje forma parte de una completa jerarquía de lenguajes artísticos de una época dada, de una cultura dada, etc. Esto nos lleva a pensar en...

    ...“Estilo”
    En su libro Sobre la Literatura Eco señala que la palabra “estilo” ha sido asociada a la idea de género literario ampliamente codificado y es a grandes rasgos un término que ha sido interpretado de diversas formas. Sin embargo, y en relación con el tema de nuestro interés, vale la pena la selección de dos autores para los que estilo es un concepto semiótico por excelencia. Ellos son Flaubert y Proust. Para Flaubert el estilo es una forma de moldear la propia obra, y es ciertamente irrepetible, ya que a través de ella se manifiesta un modo de pensar, de ver el mundo. Para Proust el estilo se torna una especie de inteligencia transformada, incorporada en la materia.

    “De estas fuentes desciende la idea de estilo como modo de formar. Y es claro que en ese punto, si la obra de arte es forma, el modo de formar no se refiere únicamente al léxico o a la sintaxis (como puede suceder con la llamada estilística) sino también a toda estrategia referente a la semiosis que se desdobla a lo largo de un texto. Pertenecerían al estilo (como modo de formar) no solamente el uso de la lengua (o de los colores, sonidos o movimiento según los sistemas o universos semióticos) sino también al modo de disponer estructuras narrativas, de diseñar personajes, de articular puntos de vista. (…) hablar de estilo significa entonces, hablar del modo como la obra es hecha, mostrar cómo se fue haciendo, mostrar por qué se ofrece a un tipo de recepción y cómo y por qué la suscita”

    Por ultimo complejiza la cuestión considerar que el arte tiene la propiedad de transformar el material no semiótico en signos capaces de producir gozo intelectual y placer físico – sensorial al mismo tiempo. Una propiedad característica del texto artístico es que la multiplicidad de planos que lo componen redunda en su capacidad para formar parte de varias estructuras contextuales y recibir correspondientemente distinto significado.

    Me llama la atención el motivo por el cual Lotman emparienta lo lúdico y lo artístico.

    “El mecanismo del efecto lúdico no consiste en la coexistencia simultánea e inmóvil de diversos significados, sino en la conciencia permanente de otros significados distintos al que se percibe en un momento dado. El ‘efecto lúdico’ consiste en que los diferentes significados de un elemento no coexisten inmóviles, sino que ‘titilan’. Cada interpretación forma un corte sincrónico separado, pero conserva a la vez el recuerdo de los significados precedentes y la consciencia de la posibilidad de futuros significados (…) el modelo artístico es siempre más amplio y más vivo en su interpretación, y la interpretación es siempre posible únicamente como aproximación. Esto está relacionado con un conocido fenómeno según el cual, al transcodificar un sistema artístico a un lenguaje no artístico queda siempre un resto ‘no traducido’, la súper información que es posible tan sólo en el texto artístico”

    DESCULPAS SE FICOU MEIO CUMPRIDÃO... BEIJOS!

    lucía

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