segunda-feira, 30 de março de 2009

Transmissões de Alain Buffard. Good Boy, Good For, Mauvais Genre.


Michelle Moura

Por aqui em Angers, os alunos da FAC (que é a «formação de bailarinos» do CNDC), estão trabalhando sobre duas transmissões: A VIDA ENORME, de Emmanuelle Huynh, que escrevi sobre num post de fevereiro e NEWARK/RE-WORKED, de Trisha Brown, uma peça de 1983. No meio desse contexto de transmissões fica claro o motivo porque tenho me fixado sobre esse tema.
Então, em meio a esse contexto, encontrei com Alain Buffard que està trabalhando em uma nova criação (S.E.S.A.) com o pessoal da FAC.
E foi assim que lembrei que seu solo GOOD BOY (1998) surgiu como uma referência contundente para Ricardo durante a criação do QUASE NU devido certas semelhanças e recorrências - ambas obras são autobiografica e utilizam cuecas, muitas cuecas, como material de cena; brancas para Buffard e vermelhas para Ricardo.
Foi nessa ocasião, quando o Ricardo estava criando QUASE NU e postou no seu blog um video do YouTube (www.youtube.com/watch?v=7JY_3TKoN0U&feature=related) que pela primeira vez vi uma obra de Buffard. Na verdade, o que assisti é uma das transmissões para grupo do solo GOOD BOY. Em 2001, GOOD FOR, foi a primeira experiência de transmissão do solo para um quarteto. Os 3 intérpretes eram coreògrafos amigos e parceiros de trabalho de Alain - Matthieu Doze, Rachid Ouramdane, Christian Rizzo. A partir de 2003, uma série de transmissões dessa mesma obra para grupos maiores ganhou o nome de MAUVAIS GENRE. E de là pra cà, mais de 12 transmissões aconteceram. Inclusive, uma delas aconteceu em Fortaleza.
Fiz uma entrevista com ele e aì està meu exercicio de tradução, o primeiro! Meu modo foi traduzir sem modificar muita coisa ou quase nada, e manter a estrutura. Decidi que era importante que depois de traduzido eu ainda pudesse ler e ter a sensação de ouvir a voz de Buffard. Aì està um trecho da entrevista.

De onde surgiu a primeira idéia de realizar uma transmissão do solo GOOD BOY para um grupo?
Alain Buffard-
Então, a primeira versão foi um quarteto de quatro caras, incluindo eu, Christian Rizzo, Ouramdane e Doze, para um centro de arte conteporânea que fica no sul da França. Um tipo de casa para esculturas, não muito conhecida, mas importante na década de 60. Foi no começo de abril, e você sabe que no sul da França pode ser bem frio, então fizemos essa versão atràs das janelas do ateliê e o pùblico ficou num jardim, um tipo de jardim japonês. E ventava muito! O pùblico cobriu-se com mantas e nòs estàvamos quase nùs. E tinha essa idéia de «objeto humano que dança» atràs das janelas. Foi bem especial! Nòs estàvamos nùs e aquecidos, e o pùblico do lado de fora com muito frio.
E cada performer ficava em uma sala diferente olhando para o centro onde é o jardim japonês. E era como uma real situação de exibição como performer, entre performer e objeto de arte. E, eu tenho certeza que o pùblico teve uma sensação muito especial da mùsica vindo de bem bem longe... Então a idéia de fazer essa performance veio a partir do convite do diretor desse espaço para eu performar GOOD BOY em um espaço que eu não acreditava que fosse bom para apresentà-lo, e eu decidi fazer uma nova versão para 4 intérpretes.

E porque você acreditou que não seria bom apresentar o solo naquele espaço?
Alain Buffard-
Porque naquela época eu não tinha performado muitas vezes GOOD BOY, e não estava muito convencido de que eu podia apresentà-lo em qualquer espaço. Acho que aquela foi a primeira vez que me apresentei em um « site specific », melhor, um « contemporary art site specific ». E eu acho que eu não queria fazer, eu não sei, não via sentido em fazer isso. E, naquele tempo, no começo de 2000, nòs mais ou menos trabalhavamos todos juntos, agora coreògrafos franceses conhecidos como Rizzo e Ouramdane, e era bem comum compartilhar, falar um com outro, dançar um pro outro. Era a idéia daquele tempo e exatamente o oposto agora, hehehe. Então eu os perguntei, e eles disseram « ah sim, porque não ». Eles gostavam do solo. Bom, a gente não tinha muito tempo. Tivemos uma semana, ou dez dias para fazer essa performance em um espaço não frontal. Eu digo, GOOD BOY é bem clàssico, frontal, para caixa teatral. Então eu tive que escolher o ponto de vista. E bem no começo eu imagianava uma sessão da « floor dance » mas não era possivel, porque era tão pessoal fazer isso, era realmente pensado pro meu pròprio corpo e não funcionava com os outros. Depois disso decidi ter um tipo de... não uma partitura aberta, mas uma partitura global. E eu decidi fazer GOOD BOY, e os outros, um tipo de variação disso, e eu seria o « time keeper » ( quem dà a estrutura do tempo). Exceto para o começo e o fim. Então eu tive que saber exatamente o que eu fazia em cada sequência para transmitir, pedir realmente o que eu queria trabalhar. E eles colocaram o pròprio jeito de fazer isso, que era levemente diferente, e acho que era um tanto rico, e me permitiu fazer GOOD BOY em uma outra direção e abrir o solo dos porquês e das razões para eu ter criado esse solo. Eu acho que foi importante para eu livrar-me de medos bem particulares que eu estava lidando para aquela performance, eu digo, a « impotência ». Para mim foi bem especial, porque quando eu estava criando GOOD BOY a questão era bem simples: O que eu estava hàbil de fazer depois de 7 anos que tinha parado e dançar? Com um corpo bem diferente, um corpo sem « treino algum ». E quando eu comecei os ensaios era um tipo de « check up » do meu corpo, de mim mesmo. O que eu posso fazer? Quais são minhas restrições? Possibilidades? O mesmo para eles, pois era tão pessoal, encontrar seu pròprio jeito, pessoal e orgânico de fazer isso.

Você disse que compartilhou um tipo de partitura...
Alain Buffard-
Eu apenas tentei dizer a eles qual era, onde estava o foco de cada sequência, e assim começou a ficar um tanto aberto. E eu não estava interessado em imitação ou em ver o mesmo corpo. Eu estava tão decepcionado com coreògrafos que costumam falar do movimento correto...o movimento correto é aquele que o coreògrafo quer que você faça, e eu realmente não estou interessado nisso. Muito mais em como cada pessoa pode encontrar seu pròprio jeito de fazer o movimento, ou estar presente, ou estar no palco. Então começou assim, e as vezes encontramos algumas variações do movimento original ou partitura original. Mas na sequência « New York, New York », por exemplo, a partitura é de usar cuecas como figurino e cada um tem estratégias bem diferentes para fazer isso, e està realmente ok. E quando eu fiz para um grupo de 15 ou 25 pessoas foi o mesmo. E eu ainda mantenho no grande grupo o meu modo prévio de GOOD BOY como o « time keeper ».
Com o grupo grande, como temos diferentes versões, como teatro « caixa branca » e pùblico que circula...e por causa das caixas de remédios e todos os elementos de cenàrio que usamos, eu tive que ter um cuidado especial, porque as caixas de remédio que usamos são de pilulas de AZT, e foi bem dificil de consegui-las, pois na França é proibido usar elas assim e eu precisava de milhares dessas caixas, e também de milhares de cuecas. São essas caixas que carregamos e usamos para fazer os saltos altos. Essas são as pilulas que tomei em meu primeiro tratamento de HIV. E é totalmente proibido fazer qualquer tipo de menção ou comercial para marcas farmacêuticas na França, então tive que consegui-las na Inglaterra e foi bem difìcil. O presidente do ACT UP(1) em Paris, conhecia o diretor do laboratòrio desse remédio na Inglaterra, e então foi um tipo de Mercado Negro para consegui-las. Assim, essas caixas eram bem preciosas e para que o pùblico não pissasse sobre elas e as destruisse tivemso que encontrar meios para protege-las, e por isso tivemos algumas sequências diferentes da partitura original de GOOD BOY.

No momento de transmitir essa obra, suas questões pessoais de medo, fraqueza, HIV ainda são importantes de serem partilhadas?
Alain Buffard-
Sim, de um lado tem algo bem egoìsta... ok, é minha imaginação pessoal, medos, angustias, questões, e se eu der um pouco disso para os outros talvez eu me sinta melhor. E a questão era: E agora que eu estou fazendo isso como as pessoas vão lidar com isso, inclusive se não estão diretamente interessadas nessas questões. Mas eu acho que todos nòs estamos interessados por nossa saùde, nosso destino e nossa pròpria morte. Mas eu nunca falo realmente disso. É algo do tipo, todo mundo sabe sobre o que GOOD BOY està falando. Eu me sinto muito pùdico sobre isso. Eu apenas desejo que todo mundo lide bem de um jeito ou outro com isso. E às vezes não funciona, não funcionou com Mathilde Monnier, por exemplo. Quando começamos a ensaiar ela começou a ter pesadelos e insônia, foi bem dificil pra ela e ela decidiu não performar.

O que você partilhou ao iniciar o processo?
Alain Buffard-
GOOD BOY é good boy (bom menino)! A història de um homem, ele é homossexual e em um ponto de sua vida, muito jovem, ele descobre-se seriamente doente. E naquela época morria-se 6 meses depois de descobrir a doença, pois não havia tratamento. E para mim era uma grande coisa. E especialmente entre gays, inclusive se são mais jovens que eu. E eu estava indo tantas vezes ao cemitério, meus amigos da minha idade estavam morrendo um depois o outro... e era algo aterrorizador... E eu não podia compartilhar isso com todas as pessoas, estavam todos fazendo seus trabalhos... Eu sabia, eles sabiam e era isso. Eu não podia falar pra eles « Essa història é sobre sua pròpria maneira de lidar com a doença e a "impotência", fraqueza.

O que muda na obra quando se tem uma mulher performando?
Alain Buffard-
Eu realmente gosto de mulheres fortes. Eu posso lidar com um homem fraco, mas realmente gosto de uma mulher forte, como performer pelo menos. Todos eles, homens e mulheres eram performer muito fortes.
De um modo posso dizer que hà bem pouca diferença entre homens e mulhres performando essa peça. Especialmente porque bem no começo.... eu realmente gosto do começo, é uma das minhas sequências preferidas da peça (quando andamos um depois do outro atràs de lâmpadas de neon). Porque o neon faz um borrado do corpo, e as vezes não dà pra saber se o que se vê é homem ou mulher, apenas vê-se uma figura, e eu adoro isso, e começa assim.


(1)Act up é uma associação ativista militante de luta contra a AIDS, de forte identidade « homossexual-soropostiva ».. www.actupparis.org
(2)Agora Buffard està falando da montagem de «Mavais Genre», com vàrios diferentes coreografos.

Um comentário:

  1. Oi Mi,
    super interessante a entrevista com Buffard, e super especial, por todas as referências cruzadas que encontramos no processo de criação do Quase Nú. Sobre as questões de transmissão propriamente ditas, me chama a atenção ele frisar que não se trata de uma imitação, e que o corpo que está re-fazendo a peça não é o mesmo. Agora estamos num período de começar as transmissões de Amarelo e Quase Nú, e nos perguntamos o que isso significa, como transmitir e apreender o material... me pergunto especialmente como as referências pessoais que informaram o processo de criação da obra podem informar sua transmissão (Buffard falou um pouco sobre isso). Estamos aqui num momento de criar "parâmetros" e metodologias para transmitir, respeitando a especificidade do autor e da obra (e autor e obra já tem vários asteriscos e pontos de interrogação neste projeto...). Numa primeira conversa conseguimos entender e aceitar que o jeito de cada um transmitir será fatalmente diferente do jeito do outro, e que cada peça por si trará implicações específicas.

    Trabalho...

    por Elisabete Finger

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