domingo, 15 de março de 2009

Como diria Stéphany Mattanó: “quero saber do que estou falando!”

Recuperando as perguntas lançadas pelo Ricardo, sinto duas questões muito fortes pra mim neste processo de pesquisa. A primeira diz respeito justamente a ser este um projeto de pesquisa, sem a pretensão e o objetivo de produzir espetáculos ou coisas espetaculares semelhantes. Isso me dá o enorme prazer e liberdade para experimentar ações, buscando “traduzir” meu amarelo, varia-lo, modifica-lo, etc.
Etc mesmo? Essa é a segunda questão. Há limites para o que chamamos de tradução? E o que afinal de contas estamos chamando de tradução? Temos conversado sobre isso...

Consultando o dicionário - essa fonte primária e um tanto rasa, mas sempre radical (radical referindo-se àquilo que está na raiz)

Tradução é uma atividade que abrange a interpretação do significado de um texto em uma língua — o texto fonte — e a produção de um novo texto em outra língua mas que exprima o texto original da forma mais exata possível na língua destino.

Quem desconhece o processo de tradução quase sempre trata o tradutor como mero conhecedor de dois ou mais idiomas. Traduzir vai além disso. Há um famoso jogo de palavras em italiano que diz "Traduttore, Traditore", cuja tradução é "Tradutor, traidor".

Guardo duas coisas importantes daqui: a idéia de exatidão/precisão da tradução – exatidão e precisão com relação à quê? À fonte? Ao destino?

E a idéia de traição – traduzir é trair? E pode o autor trair a própria obra?


Recentemente, o Gustavo lançou a proposta de experimentarmos uma inversão: entender amarelo e quase nu como sistemas (linguagens) e tentar traduzir algo para esses sistemas. Gustavo (que é tradutor, no sentido mais próximo do dicionário) também propôs um exercício: escolher um parágrafo de um texto qualquer em outra língua e traduzi-lo para o português, observando os parâmetros e estratégias que utilizamos para executar esta tarefa.

Escolhi um trecho de “Les Nuages”, um texto de Tarkos (TARKOS, C. Pan. Paris: P.O.L éditeur, 2000).

Minha tradução:

As nuvens são belas, brancas as nuvens são brancas, azuis, as nuvens sao belas, sujas, as nuvens nadam, as crianças fazem amor, começam a crescer, sussurram, amadurecem, passam, não recuam, retornam, descem, as nuvens nadam, as nuvens voam, são belas imortais, cobrem todo o céu, preenchem o céu, tornam o céu mais branco, não se torcem, se espalham fazem novelos, as nuvens não servem para nada, a cima de nossas cabeças, escorregam, estão no céu, estão sobre os olhos, basta levantar os olhos para vê-las deslizando sobre nos os movimentos são tão lentos, não há movimento no céu, as nuvens deslizam lentamente, tão lentamente as nuvens voam, penetram, elas estao por todo o céu, o que resta é o azul, o azul do céu, manchas azuis, as crianças são jovens e brancas, as crianças são doces, são belas, as crianças fazem amor, se fazem amor entre eles, estao fazendo amor entre eles agora, são jovens e doces, as manchas azuis são parecidas com as manchas brancas das nuvens os tapetes brancos de nuvens se espalham, foram espalhados, estao espalhados, ocupam espaço no céu (...)

O original de Tarkos:

« Les nuages sont beaux, blancs les nuages sont blancs, bleus, les nuages sont beaux, immondes, les nuages nagent, les enfants font l’amour, lèvent, soufflent, grandissent, passent, ne reculent pas, se retournent, descendent, les nuages nagent, les nuages volent, sont beaux immortels, couvrent tout le ciel, remplissent le ciel, rendent le ciel plus blanc, ne tordent pas, s’élargissent font des nuée, les nuages ne servent à rien, au-dessus de nos têtes, glissent, sont sur le ciel, sont sur les yeux, il n’y a qu’à lever les yeux pour les voir glisser au-dessus de nous les mouvements sont si lents, il n’y a pas de mouvementes dans le ciel, les nuages glissent lentement, si lentement les nuages volent, s’envoncent, il y en a partout dans le ciel, ce qui reste est du bleu, le bleu du ciel, des taches bleues, les enfants sont jeunes et blancs, les enfants sont doux, les enfants sont jolis, les enfants font l’amour, se font l’amour entre eux, sont en train de faire l’amour entre eux, sont jeunes et doux, les taches bleues sont semblables aux taches blanches des nuages les nappes blanches des nuages s’étalent, se sont étalées, sont étalée, prennent la place dans le ciel (...) »

Uma primeira conclusão: parece mais fácil traduzir algo que não é meu. Sinto que posso enquadrar qualquer deslize na minha interpretação subjetiva sobre a obra. A situação é um pouco mais complicada quando a obra a ser traduzida é minha. A minha interpretação subjetiva sobre a minha própria criação parece ter a responsabilidade de ser um tanto mais objetiva que as possíveis interpretações de outras pessoas...



Elisabete

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