segunda-feira, 23 de março de 2009

Traduções

A partir das postagens do Ricardo, da Beti e do Gustavo, achei interessante colocar algumas referências sobre tradução com as quais estive em contato nos últimos meses. É um pequeno panorama das minhas leituras que, espero, deve poder ajudar na discussão sobre ‘tradução’ neste trabalho de pesquisa de linguagem.

Há uma tradição de estudos de tradução que fala em equivalência de significado entre as obras tradutora e traduzida. Quine é um filósofo que põe em cheque esta idéia de equivalência, ou pelo menos a fidelidade de equivalência. Ele é conhecido pela tese de que não há tradução exata, porque sempre há opções alternativas mutuamente exclusivas. Ou seja, ele afirma [ele está falando de tradução interlinguística] que não há fatos objetivos sobre significado, que o significado é sempre indeterminado de modo que qualquer tradução é indeterminada.

Para Walter Benjamin, no artigo clássico “O papel do tradutor”, se tradução for uma operação que depende de similaridade com o original, ela não é uma operação possível. Ele afirma que, mesmo o original sofre mudanças com o passar do tempo -- até mesmo as palavras com significados fixos mudarão. Ele considera a tradução um processo de maturação da obra, pois, com ela, o original tem uma “vida pós-morte”.

Umberto Eco no seu livro “Quase a mesma coisa” propõe que “uma tradução, mesmo errada, permite que se retorne de alguma maneira ao texto de partida” (67). Assim sabemos que a tradução é daquele texto e não de outro. Ele afirma que traduções entre diferentes matérias, como dança, literatura, música, não podem retornar ao texto de partida. Entretanto, sua explicação é vaga e podemos considerar diversas definições para “de alguma maneira”. O próprio Eco acredita, mais a frente em seu livro, que esta reversibilidade é de infinitas gradações, de uma reversibilidade máxima a uma mínima.

Talvez seja interessante destacar referências sobre tradução poética que tem como foco, não a reconstituição da mensagem, mas a função poética do texto, de acordo com Haroldo de Campos. Na tradução poética há outros níveis relevantes, além do propriamente linguístico, como métrica, ritmo, sonoridade, entre outros, deixando de lado a idéia de “passar a mensagem” do texto traduzido. Eco, quando fala de tradução poética, assume que é possível, por exemplo, que o conteúdo seja sobrepujado em detrimento do ritmo da poesia. Isto quer dizer que, em algum nível, o texto alvo (tradutor) não retorna ao texto fonte (traduzido), pois o tradutor deve fazer escolhas sobre aspectos que ele considera interpretativamente mais relevantes.

Haroldo de Campos chega a chamar a tradução poética comprometida com a função poética da linguagem, de transcriação, recriação e tradução crítico-criativa. E Roman Jakobson, de acordo com Campos, afirma que só é possível fazer tradução em poesia através de “transposição criativa”, isto porque “as equações verbais são promovidas à posição de princípio construtivo do texto”. São termos que apenas tentam diferenciar esse tipo de tradução daqueles que apenas se importam com o aspecto semântico.

É importante mencionar que traduções entre diferentes matérias, que Eco chamaria de adaptação ou transmutação, são consideradas por Jakobson traduções intersemióticas na sua tipologia de tradução (intralinguística, interlinguística, intersemiótica). O termo tradução, neste caso, é usado com mais generalidade, considerando operações além da tradução entre diferentes línguas.

Julio Plaza, em seu livro “Tradução intersemiótica”, assume esse tipo de tradução cunhado por Jakobson como projeto artístico. Ele afirma que o que é válido para tradução poética se intensifica no caso da tradução intersemiótica – a criação que determina escolhas em um sistema de signos que é estranho ao sistema original. Para o autor, o processo tradutor intersemiótico sofre a influência não somente dos procedimentos de linguagem, mas também dos suportes e meios empregados, assim será determinante o tipo de material ou meio empregado no resultado da tradução.

Algo que pode ser interessante para se pensar sobre tradução, de modo geral, é sobre o efeito da obra original no leitor/platéia. Para Benjamin, a tarefa do tradutor consiste em encontrar o efeito pretendido no original na tradução, produzindo nela um “eco do original”. Umberto Eco também fala sobre o efeito do original, e que o tradutor deve construir uma hipótese interpretativa sobre o efeito do original e tentar reconstruí-lo. Isso pode ser um norteador em traduções, independente de que tipo.

Outra observação que pode ser destacada é a idéia, que Benjamin acrescenta, de que o tradutor deve expandir e aprofundar sua própria língua através da influência da língua estrangeira. Isso é interessante, pois podemos pensar em diferentes linguagens artísticas ou diferentes artes deixando-se influenciar pela linguagem fonte. Haroldo de Campos concorda com Benjamin citando as traduções de Hoelderlin dos textos de Sófocles. Hoelderlin, de acordo com Haroldo de Campos, tem como característica de seu método de tradução o alto grau de literalidade – literalidade à forma, mais do que ao conteúdo, do original.

Parece-me que a discussão sobre o que é ou não é tradução depende realmente do arcabouço teórico escolhido, tendo em vista as diferentes idéias sobre o que o termo designa. Há, entretanto, idéias que podem auxiliar no trabalho sobre aquilo que pode ser chamado de tradução, transposição, recriação, adaptação, transcriação ou como cada um preferir chamar seu trabalho.

Daniella Aguiar

4 comentários:

  1. oi daniella,
    a gente nao se conhece, mas queria falar que gostei muito do seu texto.
    cheguei nese blog por acaso. foi uma boa surpresa.
    felicidades;
    fabricia.

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  2. muitos encontros num blog só!
    que bom e quanta coisa... já ficou minha cabeça toda cheia de perguntas e continuo lendo...
    abraços e boa pesquisa x lá!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Daniella, muito interessante esse texto sobre diversas visões teóricas acerca da tradução

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