segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

entrando no "asobrasdentrodaobra"! Conversa com Nuno Bizarro sobre transmissao, "A vida enorme" e "Paredes and Changes, Replays", por MICHELLE MOURA



Algumas semanas atras Nuno Bizarro(1) propôs ao grupo «Essais»(2) a transmissão da «Vida Enorme » dizendo interessado exatamente por esta ação de « transmitir» uma obra coreográfica. Sem que eu conhecesse a obra, e sem que soubesse nada sobre, aprendi uma pequena frase de movimentos. Esse dueto foi criado, e é interpretado, por Emannuelle Huynh e Nuno Bizarro, que são um casal. (E por vezes, Catherine Legrand, « ocupa » o lugar de Emmanuelle.) E o dueto fala de intimidade, sexo, e tem um contexto rock and roll, David Bowie... A sequencia que aprendi tem corpos colados, pubis com pubis, etc. Percebi as questões reproduzindo e repetindo os movimentos de Nuno, tendo como minha partner Meri, uma japonesa da minha altura.... E é assim que «As obras dentro da obra » me convida a aprofundar essa discussão numa conversa com Nuno que foi gravada e que vocês podem escutar fazendo download através de http://www.megaupload.com/?d=OZCER4TA
Começamos falando de uma outra obra coreografica que Nuno està interpretando agora mais recentemente «Paredes and Changes, and Replay » que é uma REATIVAÇÃO, como os performers(3) preferem chamar, da obra original de Anna Halprin(4) criada mais ou menos 40 anos atrás. O bacana de pensar na transmissão dessa obra é que ela foi feita através de scores um tanto imprecisos de ação, datilografados em papel, então, bastaria com que os performers seguissem essas informações para tudo estar de acordo. E ainda aproveitar-se da (pré)suposta liberdade da dança pós-moderna americana, da simplicidade da presença cotidiana, de movimentos do dia-a-dia como vestir-despir, caminhar. Uma obra que pode ser transmitida e reproduzida sem mistérios!? A obra está sendo reativada, isto é reatualizada, e não é a coreografa quem está realizando a transmissão, então como não exceder as proposições de Anna Halprin? Como equalizar as subjetividades? Eu fico aqui pensando nas imaginaçoes e expectativas sobre o passado dessa obra na mente dos atuais intérpretes sobre como Halprin imaginava que fosse a obra, o que era a obra no contexto americana de 1965… Muitas ficções possiveis. Sempre é assim. Então, que todos possam compartilhar da mesma ficção… Equalizar as subjetividades me parece um exercicio necessário!
Com um « ponto de vista circunstancial », Nuno afirmou que operacionalizar com « sucesso » a transmissão de uma obra, seja no caso da «A Vida Enorme» quanto de « Paredes and Changes, and Replays » depende de quanto e como o intérprete dedica-se a seguir a « escritura » da peça. Toda peça tem sua escrita, e é ela que encarrega-se da forma, do senso, do azar, do desencontro, de tudo! Dessa forma, eu entendo que Nuno entende que a obra pertence a ela mesma, e não ao intérprete, não ao autor…. ATENÇAO: Levar em conta a palavra CIRCUNSTANCIAL. E também a minha tentativa aqui, ao escrever esse texto, de não relativizar questões como essas que parecem ser facilmente relativizadas. Estou aqui tomando algumas questões como « verdadeiras », um exercicio de verdade, sobre ficções que podem ser infindaveis. Ah , tà bom...
E volto a falar da minha fala com Nuno...
Se eu fosse fazer um resumo sobre as questões políticas, sociais, relacionais, etc, que surgiram no meio dessa conversa, diria que falamos de : PROPRIEDADE. Quem tem a propriedade sobre a obra ? O autor dá a forma através de sua escrita. E o intérprete ao reproduzir também da sua forma, que também é sua escrita. Então, quem tem a LIBERDADE ? Quem forma e quem tem o potencial de (de)formar ou (re)formar ? « O primeiro ato de liberdade para o intérprete é decidir realizar a obra ! » Exercitar dizer sim! ACATAR! Equalizar obediência, servilidade e generosidade. Viver a zona de desconforto! Ter cautela com a liberdade pois pode-se perder as ferramentas. Quem é o responsável pela obra, quem é o AUTOR ? A obra está na ESCRITURA, e é nela que podemos encontrar as ferramentas para sua feitura. Uma obra coreografica é sempre um ambiente ARTIFICIAL, uma FICÇAO, um invenção. Toda relação é comunicação, que por sua vez é sempre negociação e pronto, ponto. E por fim a transmissão na dança é uma ação comum, digamos que tradicional, que acontece quase que o tempo inteiro, em niveis diferentes, que geram necessidades especificas, e…
E ontem, domingo, depois de escrever esse texto, lembrei do primeiro bolo que aprendi a fazer, uma «Nega Maluca », receita da minha mãe. Ela, minha mãe, me entregou a receita, me deu os ingredientes e pronto. Eu fiz tudo certinho, como estava escrito no papel, mas no fim, depois de pronto nao era o mesmo bolo que a minha mãe fazia. O que minha mãe disse? «Michelle, é só seguir exatamente a receita, sem alterar a ordem dos ingredientes, nem as quantidades, nem o tempo. Seja bem fiel ao que está escrito!». E fiz mais um bolo, dessa vez na companhia dela, e descobri que ela tinha várias precisões em relação a quanto tempo deveria bater os ovos junto com o açúcar, o que significava para ela « uma colher não com muito óleo »… Eu queria comer o mesmo bolo, da mesma receita, mas feito por mim… Fiz a consultoria, tive um acompanhamento, e no fim ficou igualzinho. E agora descobri que dependendo da temperatura do dia ou da marca da farinha o bolo pode novamente ficar diferente a cada dia.
E é assim !


(1)Nuno Bizarro artista da dança e trabalha em colaboração com Emmanuelle Huynh, Vera Mantero e outros artistas. E português e vive atualmente em Angers/França. É « orientador » do programa Essais 3 ao lado de Jennifer Lacey.
(2) Essais é um programa de pesquisa coregrafica que acontece no Centre National de Danse Conteporaine de Angers, na atual direçao artistica de Emmanuelle Huinh.
(3) os performers de PARADES & CHANGES, REPLAYS (2008) 
são ALAIN BUFFARD, ANNE COLLOD , BOAZ BARKAN, DD DORVILLIER, NUNO BIZARRO and VERA MANTERO. directed by ANNE COLLOD .
re-creation of the piece PARADES & CHANGES (1965)
by ANNA HALPRIN
in PORTUGAL , FRANCE and GERMANY
(4) Anna Halprin é coreografa americana, teve importante participação na comunidade da dança intitulada pós-moderna e relacionada ao grupo Judson Dance Theater.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Post de abertura.

É com prazer que iniciamos as conversas por aqui (que esperamos sejam numerosas, intensas e frutíferas).

O projeto as obras dentro da obra (Linguagem, poética e autoria em dança discutidas através de experiências de tradução e transmissão), pretende colocar a própria pesquisa de linguagem em dança como objeto de discussão e investigação.

A partir das obras Amarelo (de Elisabete Finger) e Quase Nu (de Ricardo Marinelli) e de exercícios práticos de tradução destas obras para outros sistemas (fotografia, vídeo, pintura, escultura, instalação, literatura) e de transmissão das mesmas para outros performers/autores (Elisabete transmite o solo Amarelo para Ricardo, e este transmite Quase Nu para Elisabete), pretende-se colocar em questão as especificidades da linguagem da dança, da obra, do corpo que pratica a ação.

Os “resultados” parciais destas experiências e práticas serão sempre compartilhados com a comunidade local, através de aberturas de estúdio em diferentes fases da pesquisa, de debates promovidos por artistas convidados, de uma oficina para criadores e criadoras em dança, da manutenção de um blog especifico para projeto, e da publicação, ao final do período de trabalho, de um caderno com artigos e imagens coletados e escritos pelos artistas envolvidos no processo de pesquisa.

Este projeto conta com a colaboração de Daniella Aguiar para as atividades de tradução, e Nirvana Marinho para as de transmissão. Além delas, colaboram e acompanham o projeto os artistas: Michelle Moura, Neto Machado e Gustavo Bitencourt – integrantes do Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial.

Elisabete Finger e Ricardo Marinelli têm desenvolvido suas pesquisas ao lado dos outros artistas que integram o Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial (Cristiane Bouger, Gustavo Bitencourt, Michelle Moura, Neto Machado, e Stéphany Mattanó).

Neste projeto especificamente, Elisabete e Ricardo levantam questões relativas à linguagem, poética e autoria em dança contemporânea, contando com a colaboração dos outros couves, parceiros de trabalho sempre envolvidos nas discussões, criações e experimentações que acontecem no “canteiro do coletivo”. Ao lado deles nesta empreitada, estão também Nirvana Marinho e Daniella Aguiar, artistas que encontramos em momentos diferentes do nosso percurso, e que têm se mostrado importantes interlocutoras, colaborando sempre com o crescimento de nossas investigações, contribuindo para o desdobramentos das nossas ações.

Este não é um projeto que pretende criar ou produzir um espetáculo, esta proposta parte de uma necessidade que entendemos como urgente, de aprofundar investigações e discussões dentro da própria dança contemporânea, de ter a linguagem de dança como objeto de estudo, de fazer a obra e a criação transbordar da cena e reverberar, compartilhando tudo isso com a comunidade local. As obras apresentadas para os exercícios de tradução e transmissão, já existem, e já foram apresentadas em Curitiba, o que pretendemos aqui é esgarçar a cena que elas construíram, colocar uma lente de aumento sobre seu processo criativo, e sobre seus desdobramentos, oferecendo ao público uma visão de como as coisas são feitas de seu interior, e oferecendo a nós mesmos enquanto artistas uma oportunidade de aprofundar e enriquecer nossos trabalhos, gerando conhecimento e tecnologia num fazer artístico e num olhar para o fazer artístico.

Este blog é uma das estratégias de trabalho da equipe de artistas pesquisadores, servindo também como forma de tornar públicas as discussões e experiências desenvolvidas, gerando redes de comunicação com interessados e interessadas de forma geral.

Vamos conversar!